cover
Tocando Agora:

Conceição Evaristo é a grande homenageada da 4ª edição da Araruama Literária

"Minha visibilidade não garante o espaço de todas as mulheres negras"

Conceição Evaristo é a grande homenageada da 4ª edição da Araruama Literária
Conceição Evaristo é a grande homenageada da 4ª edição da Araruama Literária (Foto: Reprodução)

A quarta edição da Araruama Literária teve seu ápice na noite de sábado (24), com a presença ilustre da escritora e linguista Conceição Evaristo, uma das vozes mais potentes da literatura brasileira contemporânea.

Homenageada desta edição, a autora lotou a Tenda Principal do evento ao proferir a palestra “A palavra como lugar de poder: Escrevivências e Resistências”, mediada pela professora doutoranda Aline Botelho.

O público recebeu a palestrante de pé e com longos aplausos.

A palestra foi marcada por muitos momentos de emoção. Conceição Evaristo recebeu uma moção de aplausos da Câmara de Vereadores de Araruama, e foi homenageada com flores pela secretária de Educação, Valéria Amaral. Emocionada, a secretária declarou: “Temos grande admiração pela senhora e pela sua trajetória. Mulheres como a senhora fazem a gente acreditar que também podemos ir muito além — todas as mulheres: negras, brancas, pobres.”

Com 78 anos, Conceição Evaristo é referência quando o assunto é dar voz aos silenciados pela história. Em sua fala, ela convidou o público a refletir sobre as armadilhas do sistema que transforma exceções em espetáculo, sem alterar as estruturas sociais. “A sociedade brasileira precisa que determinadas pessoas, pobres, negras, sobressaiam, então temos que ter cuidados para não embarcar no jogo do sistema”, afirmou. Em seguida, lançou uma pergunta que pairou no ar como um desafio: “Minha visibilidade não significa ou garante que todas as mulheres negras tenham espaço e reconhecimento. Estou podendo colher isso em vida. Mas se eu não fosse negra, será que eu gastaria tanto tempo pra construir minha carreira literária?”

Conceição também mergulhou no conceito de Escrevivência, termo criado por ela, que define a escrita como ato político e de resistência. “Se trata de um paradigma. O texto se torna lugar de resistência para quem foi historicamente silenciado”, explicou. Para ilustrar, citou a música e a literatura como instrumentos de ruptura e sobrevivência: “Pessoas que passam por processos de dominação, como negros e indígenas, depois realizam a quebra de silêncio, principalmente por meio da literatura e da música, como o exemplo do samba, que é um símbolo de resistência. Temos o exemplo de dona Ivone Lara com o samba e Ana Maria Gonçalves com os livros.”

A homenageada falou ainda sobre a educação como ferramenta transformadora para crianças em situação de vulnerabilidade. “Na maioria das vezes, o primeiro contato da criança pobre com livros é na escola, mas a criança traz outros saberes, de casa, da sua vivência na comunidade. Então a educação não pode estar longe da realidade social; ela precisa levar em conta as outras narrativas que a criança pode trazer pra escola, e o processo de educação deve valorizar isso.”

Aplaudida do início ao fim, Conceição Evaristo encerrou sua participação de maneira firme, generosa e combativa. Sua presença na Araruama Literária não apenas celebrou sua obra, mas reafirmou o papel da literatura como espaço de disputa, existência e resistência.


Comentários (0)